Palavra do Economista | O desafio dos juros: por que subimos enquanto os EUA reduzem?
Publicado por: Análise BB
6 minutos
Atualizado em
07/10/2024 às 15:47
Entre as manchetes econômicas de setembro, a decisão de política monetária do Banco Central do Brasil (BCB) esteve entre as mais debatidas entre economistas e o público em geral, especialmente porque no Brasil está em curso um processo de elevação da taxa básica, ao contrário do que vem ocorrendo nos EUA, a maior economia global. Em um mundo cada vez mais integrado, o que justificaria essa dessincronia na condução da política monetária entre os dois países? Pretendo com esse texto contribuir para o debate, apresentando as complexidades e sutilezas relacionadas ao desafio do controle inflacionário.
A utilização dos juros como instrumento de combate à alta dos preços surgiu em paralelo à criação dos bancos centrais na Inglaterra do século XIV. No pós-guerra, o presidente do BC Americano (FED), Paul Volcker, usou os juros de forma agressiva para conter a alta generalizada de preços nos EUA nos anos 80. No Brasil, a taxa de juros passou a ser o instrumento principal para combater a alta de preços com a adoção do Regime de Metas de Inflação em 1999.
O debate em relação ao aumento de juros no Brasil se dá num momento em que a inflação ao consumidor oficial (IPCA) se encontra próxima ao limite superior da meta perseguida pela autoridade monetária, que é de 3%. No entanto, o principal fator que orientou a decisão do Comitê de Política Monetária do BCB (Copom) não foi a inflação corrente, mas sim o comportamento esperado para os preços no médio e longo prazos.
De forma detalhada, a decisão do BCB sobre juros passa pela análise combinada da inflação corrente e, sobretudo, da expectativa de inflação futura. Nos últimos trimestres, os agentes econômicos passaram a considerar que o processo de desinflação no Brasil está comprometido, com a expectativa ficando muito próxima ao teto da meta (4,5%) para 2024 e significativamente acima do centro da meta (3,0%) para os anos seguintes. Essa desancoragem da inflação também é observada pelo BCB no último Relatório Trimestral de Inflação, que mostra uma não convergência da inflação para o centro da meta de 3,0% até o 1º trimestre de 2027.
Mas, afinal de contas, como é estimada a inflação futura? Seria algo definido a partir de um juízo de valor, com base em algum interesse espúrio de parte dos integrantes do mercado financeiro, por exemplo? Na verdade, não. Os economistas constroem modelos econômicos para projetar a inflação com base em algumas equações-chave, que modelam a dinâmica econômica, tais como: (1) Curva de Phillips – equação para medir a temperatura da inflação; (2) Curva IS – para identificar como mudanças na taxa de juros real afetam a produção; (3) Equação de Taylor – que procura estipular uma função de reação do Banco Central a desvios da inflação futura em relação à meta; e (4) Equação da paridade descoberta da taxa de juros – para capturar como a diferença entre os juros internos e externos afetam o câmbio e, por consequência, a inflação.
Entre as variáveis que afetam a inflação está o hiato do produto, uma variável não observada (mas estimada) que mede o desvio da atividade econômica em relação ao seu ritmo potencial. Conforme divulgado pelo próprio BCB, esta medida encontra-se no campo positivo. Essa é a expressão técnica para dizer que a economia está operando acima do seu potencial, mostrando uma atividade econômica mais fortalecida e que, em última instância, pode trazer preocupações em relação à trajetória da inflação.
Juntamente com o hiato positivo, o Brasil possui uma assimetria de riscos para cima em relação aos desvios mais prováveis para a inflação futura, o que indica potencial probabilístico de preços ainda maiores do que os projetados. Em adicional, a persistente desvalorização que temos observado no câmbio vem contribuindo para a maior resiliência dos preços, que acaba encarecendo a cadeia de produção, refletindo sobre os preços das matérias primas e produtos finais importados.
No fim das contas, todos esses riscos e preocupações impactam na tomada de decisão do Copom, que tem sido firme nas comunicações de que o propósito de levar a inflação ao centro da meta permanece inabalável. Nesse sentido, nosso cenário aponta para uma necessidade de ajuste adicional de 100 pontos-base ainda em 2024 e 50 pontos base em janeiro de 2025, o que levará a taxa Selic para 11,75% no fim deste ano e 12,25% no início do próximo, patamar que deverá ser mantido por boa parte de 2025.
Importante salientar que um eventual processo de queda dos juros deve ocorrer apenas em meados do 2º semestre do próximo ano, mas reforço que esse movimento depende da materialização de alguns fatores importantes e que passam necessariamente por uma maior estabilidade da taxa de câmbio. Sobre este ponto, após um período de intensa desvalorização do Real em relação ao dólar observado desde maio, entendo que a maior atratividade para entrada de dólares em função do aumento do diferencial de juros Brasil-EUA e a manutenção do compromisso fiscal, inclusive com anúncio de medidas pontuais para ajuste na despesa, devem contribuir para a valorização da moeda no último trimestre deste ano.
Ao atravessar o continente em direção ao norte, vemos que a decisão de cortes de juros nos EUA tem a ver sobretudo com a expectativa de um cenário inflacionário menos desafiador. Isso porque a economia norte-americana tem desacelerado e não há sinais de desequilíbrios que possam gerar pressões nos preços no curto prazo. Nesse sentido, inclusive, as declarações públicas dos dirigentes do FED deram maior ênfase ao risco de desaquecimento da economia, mostrando maior confiança com relação à convergência da inflação em direção à meta. Desta forma, a expectativa materializada pelos membros do FED é de que a inflação futura continue apresentando redução nos próximos anos, o que mantém o conforto para a continuidade do ciclo gradual de cortes de juros nos EUA.
Em suma, as diferenças na condução dos juros entre Brasil e EUA se explicam pelo distinto momento do ciclo econômico e pelo comportamento das expectativas de inflação nos respectivos países. No caso brasileiro, a sustentada desancoragem, com expectativas de inflação deslocadas do centro da meta no horizonte de projeção do Copom, dificulta movimentos baixistas na taxa de juros e torna a convergência mais custosa. Por outro lado, o cenário nos EUA se mostra mais confortável neste aspecto, com expectativas relativamente ancoradas, inflação corrente mais controlada e desaceleração da economia, fatores que contribuem para um processo de convergência dos preços para o objetivo de 2,0% em meados de 2026, segundo as projeções do próprio Banco Central norte-americano.
Evidente que não pretendo aqui minimizar o efeito dos juros altos sobre a economia brasileira, em particular no desestímulo ao investimento, ao consumo e no aumento do custo da dívida pública. Porém, acredito que a inflação é um mal maior e que se não for controlada tende a provocar uma erosão do poder de compra dos salários, impactar fortemente as famílias mais vulneráveis e gerar perda de competitividade internacional, sendo necessário o aumento da dose desse remédio que é tão amargo. Em resumo, o ajuste por parte do Banco Central brasileiro deve mesmo ser feito agora.
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