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Ação da Americanas (AMER3) vale menos que uma bala: o que o acionista pode esperar?

Papéis da varejista atingiram nível mínimo histórico de R$ 0,08 nesta semana

Publicado por: Broadcast Exclusivo

conteúdo de tipo Leitura4 minutos

Atualizado em

23/08/2024 às 09:55

Por Gustavo Boldrini e Júlia Pestana, do Broadcast

São Paulo, 22/08/2024 - As ações da Americanas (AMER3) terminaram o pregão de quarta-feira (21) no nível mínimo histórico de R$ 0,08, ainda refletindo a liquidação de papéis que eram detidos por credores da companhia no âmbito da sua recuperação judicial, o que tem gerado uma forte pressão vendedora no ativo nos últimos dias. Agora, o papel da varejista acumula uma perda de 85% no mês e de 91% no ano.

As ações da Americanas começaram a sofrer com uma perda gigante de valor em janeiro de 2023, quando foram descobertas e divulgadas "inconsistências contábeis" em balanços antigos da companhia na ordem de R$ 20 bilhões. Hoje, mais de um ano depois, investigações mostraram que houve fraude em balanços da empresa e que o valor envolvido ultrapassou os R$ 25 bilhões.

O papel ordinário da varejista negociava na casa dos R$ 11 antes da divulgação das inconsistências contábeis, e hoje vale centavos.

"Existe uma pressão vendedora importante de credores. Não estou falando necessariamente dos bancos, mas credores das mais diversas naturezas, que não necessariamente são investidores de longo prazo do mercado de capitais", afirmou a CFO da Americanas, Camille Faria, na teleconferência de resultados da companhia, no último dia 15.

Neste dia, encerrou-se o período em que ações que foram recebidas por alguns credores da empresa como parte do pagamento das dívidas da Americanas com eles estavam travadas para negociação, em um mecanismo conhecido como "lock-up". Com isso, a companhia afirmou que quase** 7 bilhões de suas ações ficaram livres para negociação**, o que gerou uma forte pressão vendedora e levou os papéis para a casa dos centavos.

  • Aí que surge aquela velha dúvida: é possível que uma ação negociada na Bolsa de Valores simplesmente suma, "vire pó", como se diz no mercado?

O preço de uma ação pode zerar?

Pode parecer estranho, mas uma ação pode, sim, chegar a valer zero. A Bolsa de Valores não estabelece um limite de perda, mas coloca as empresas cujas ações caem abaixo de R$ 1 como "penny stocks", removendo-as de seus índices.

Segundo Eduardo Becker, professor de mercado de capitais da B3 Educação, uma empresa que está nesta situação pode promover diversos grupamentos de ações para não correr esse risco.

"Imagine que uma empresa atingiu o limite de R$ 0,01. Se a empresa fizer um agrupamento de 100 para 1, ela vai valer R$ 1,00 de novo, e se continuar caindo faz outro grupamento, e assim por diante. Isso não deixa a empresa chegar a zero", explica.

A Oi (OIBR3), por exemplo, promoveu dois grupamentos de ações nos últimos dois anos para tirar a ação da casa dos centavos. Ambas as operações foram na proporção de 10 para 1: ou seja, dez ações foram agrupadas para se tornarem uma. Com isso, o número de papéis da companhia em circulação no mercado diminui e o preço de tela aumenta.

"Uma ação pode zerar o seu valor e aí existem várias situações diferentes que isso pode acontecer, mas a princípio isso acontece quando na realidade a empresa passa por dificuldades financeiras, quer por causa de mudanças no mercado, quer por causa de má gestão, endividamento ou por outros motivos quaisquer", aponta Ricardo Teixeira, coordenador do MBA de Gestão Financeira da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

A Americanas fará um grupamento de suas ações na proporção de 100 para 1, que valerá a partir da próxima segunda-feira (26). Com isso, as ações devem sair do atual nível de centavos e voltarem a ter o preço de tela de cerca de R$ 8,00, levando em conta o fechamento desta quarta.

Se a ação zerar, a empresa vai à falência?

O fato de uma ação chegar perto de zero, no entanto, não tem nenhuma relação com a falência daquela empresa. Afinal, há casos de empresas que tiveram a falência decretada com suas ações longe dos centavos - como foi o caso da mineradora MMX (MMXM3), cuja ação estava a R$ 14,00 quando deixou de ser negociada após a quebra.

Já a petroleira OGX (OGXP3) chegou a valer R$ 0,13 no seu último dia como parte do Ibovespa, em outubro de 2013, mas não chegou a decretar falência. Após a recuperação judicial, a empresa passou a se chamar Dommo Energia e suas ações negociaram na B3 até 25 de outubro de 2022, quando a companhia foi incorporada pela Prio (PRIO3).

"A empresa pode quebrar com as ações valendo mais que zero, assim como pode não quebrar com as ações a zero. Só que, se a ação vale zero, quem que vai querer comprar? Então, ela fica sem negócios e perde a liquidez", comenta Becker, da B3 Educação.

A Americanas corre risco de falência?

O mecanismo de recuperação judicial, ao qual a Americanas recorreu logo depois da descoberta da fraude, serve justamente para evitar a falência, isto é, a quebra da empresa. Nele, a empresa conta com o apoio da Justiça para renegociar dívidas com seus credores e conseguir se manter de pé sem ter de fechar as lojas e demitir funcionários.

"O risco de decretação de falência sempre existe para empresas em processo de reestruturação", afirma Rafael Santana Coelho, head da área de recuperação judicial do Paschoini Advogados. Segundo o advogado, o risco de falência pode ser inerente à atividade da empresa, que muitas vezes é a responsável pela crise, ou por um eventual descumprimento daquilo que está estipulado no plano de recuperação judicial.

No caso da Americanas, Coelho afirma que o processo está tramitando regularmente, com "todos os esforços empreendidos no sentido da realização dos pagamentos aos credores, nos termos e condições estabelecidas para cada classe de credores em seu plano de recuperação judicial aprovado".

Do ponto de vista das ações, o professor Eduardo Becker, lembra que a Americanas já vinha numa situação complicada antes mesmo da descoberta das fraudes, com prejuízos recorrentes ao menos desde 2011. Agora, com uma dívida de R$ 38,8 bilhões e um patrimônio líquido negativo na casa dos R$ 30 bilhões, o quadro inspira cautela.

"A Americanas vai precisar se alavancar mais ainda, vai precisar de investidor, de aporte de capital. Ela vai precisar fazer um monte de coisas para poder se tornar uma empresa atrativa novamente", conclui Becker.

Para Ricardo Teixeira, professor da FGV, agora cabe ao grupo de controladores da Americanas apresentar soluções para manter o negócio funcionando e fazer ele voltar a crescer. "É isso que se espera, mas hoje não há como se dizer o que é que deve acontecer", afirma.

O que diz a Americanas?

Em nota enviada ao Broadcast, a Americanas afirma que "cada investidor conta com uma estratégia própria de investimento", e que "o papel da companhia é oferecer ao mercado informações e transparência para a melhor compreensão possível de seus negócios e de seu potencial de criação de valor para qualquer acionista".

"Com a conversão de ações e a reestruturação da dívida, que passa a R$ 1,6 bilhão em novas debêntures, a Americanas entra em uma nova fase da sua trajetória de 95 anos no varejo brasileiro, ainda mais focada no seu plano de transformação para a geração de caixa sustentada, otimização do negócio e criação de novas avenidas de crescimento", acrescenta a nota.

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