Palavra do Economista | A valorização do câmbio é pra valer?
Entenda a importância de cada peça do jogo no cenário econômico.
Publicado por: Análise BB
6 minutos
Atualizado em
10/08/2023 às 12:45
Como foi a trajetória do câmbio até aqui?
Desde meados do ano passado, tenho alertado aos nossos clientes em inúmeras apresentações sobre a possibilidade de valorização da nossa moeda em relação ao dólar. Além disso, materializei essa narrativa em um estudo econômico divulgado no primeiro semestre deste ano, mostrando naquela ocasião que a taxa de câmbio mais condizente com os fundamentos econômicos seria ao redor de R$ 4,70/USD, patamar próximo ao que temos observado nos últimos dias. Por agora, antes de me ater diretamente ao tema proposto no título deste artigo, pretendo fazer um breve resgate histórico.
Após atingir patamar ao redor de R$ 5,30 no final de março, observamos uma trajetória de queda do câmbio para níveis próximos a R$ 4,70 em meados de julho. Durante esse período, junto com a moeda colombiana, o real brasileiro apresentou a melhor performance comparativamente às divisas dos principais países emergentes. Nesse sentido, com base nesse fato recente, vou me concentrar em responder as seguintes questões: (i) o que está por trás do fortalecimento da nossa moeda em relação ao dólar?; (ii) esse movimento deve ser temporário ou mais permanente?; e (iii) há espaço para uma nova queda do dólar nos próximos meses e quais são os riscos associados a esse processo?
O que explica a o fortalecimento da nossa moeda em relação ao dólar?
No período que compreende o final do mês de março até os dias atuais, nossos modelos de decomposição da taxa de câmbio mostraram que os fatores externos foram preponderantes para a valorização da nossa moeda. Basicamente, a redução do risco global e a desvalorização do dólar no mercado internacional contribuíram para sustentar uma visão mais valorizada do real. Porém, esse fato não conta toda a história, pois como falei anteriormente, em relação ao resultado da ampla maioria dos países emergentes, nossa moeda apresentou a maior valorização em relação ao dólar nos últimos meses. Sendo assim, fatores internos, ainda que não dominantes, também ajudaram a explicar o movimento de valorização do câmbio ao longo dos últimos meses. De fato, o avanço em direção à aprovação de medidas de estabilidade fiscal, como o novo arcabouço, e uma avalição mais positiva da classificação de risco do país ajudaram a reduzir a aversão ao risco, repercutindo no fortalecimento da nossa moeda. Ainda sobre os fatores internos, vale salientar o papel dos números recordes da balança comercial, com aceleração das exportações e menor crescimento das importações, o que representa ingresso de dólares no país. Também não posso deixar de citar o resultado da última reunião do Conselho Monetário Nacional, que referendou a meta de inflação em 3,0%, fazendo com que parte das incertezas domésticas fossem reduzidas ao final do primeiro semestre.
O que diz o nosso modelo de câmbio de equilíbrio?
Mas, se os modelos de decomposição do câmbio indicam que a maior parte do desempenho da nossa moeda se deu em virtude de fundamentos externos, ou seja, fora do nosso espectro de controle, nada mais natural do que indagar se esse movimento de valorização será temporário ou permanente. Para começar, o que diz o nosso modelo de câmbio de equilíbrio? Qual deveria ser o câmbio justo do país hoje? Considerando o conjunto de informações atuais (dados consolidados até o segundo trimestre de 2023), nosso modelo interno de projeção de valor de equilíbrio do câmbio sugere que a nossa moeda poderia estar próxima a R$ 4,50. Assim, olhando friamente para esse resultado e considerando o patamar de hoje ao redor de R$ 4,70, ainda haveria algum espaço para a queda do dólar no curto/médio prazo.
Fazendo uma pesquisa mais detalhada sobre quais fatores poderiam contribuir para o ganho de valor da nossa moeda, entendo que existem alguns elementos de destaque, como o desempenho favorável das exportações (colheita de milho para o segundo semestre), o que pode levar a maior entrada de dólares no país; e a internalização de recursos mantidos no exterior. Durante a pandemia, observamos que parte dos recursos obtidos via exportação física de produtos não foi internalizada no país, o que gerou um incomum descompasso entre saldo comercial físico e o câmbio comercial contratado. Nos últimos meses, tenho observado que parte dos recursos retidos no exterior estão ingressando no Brasil, o que pode gerar um efeito adicional de valorização do câmbio. Além disso, uma nova rodada de redução do risco país na esteira do avanço da agenda de reformas – especialmente a reforma tributária, que contribuiria para a redução da burocracia e aumento da produtividade do país, entre outros – pode ser fator a abrir mais espaço para uma melhora da percepção de risco das agências de classificação internacional, repercutindo na maior atração de dólar para o país e uma potencial valorização da nossa moeda.
Quais são as nossos perspectivas e os riscos à frente para o câmbio?
Contudo, em que pese os fatores listados e as novas rodadas de alerta baixista que tenho discutido junto aos nossos clientes, avalio que o câmbio não deve ceder tanto a ponto de caminhar em direção às estimativas de câmbio de equilíbrio, que, como dito, estão hoje ao redor de R$ 4,50. Isso porque entendo que há pontos de alerta que devem sobrepujar os fatores positivos, conduzindo o Real para uma leve desvalorização até o final do ano. Em outras palavras, os vetores que devem pressionar o câmbio ao longo dos próximos meses teriam mais força do que os pontos que levariam a uma nova valorização cambial.
Em primeiro lugar, temos a perspectiva de redução do diferencial de juros entre Brasil e EUA. Se, por um lado, iniciamos a redução dos juros no Brasil a partir de ago/23, por outro lado nos EUA e Europa a discussão está na possibilidade de novas altas de juros. Em tese, esse fato reduz o peso da atratividade para o Brasil e provoca uma saída de dólares do país para outras regiões. Um segundo fator está relacionado ao risco de uma desaceleração da economia europeia e uma menor contribuição do crescimento chinês, que devem pesar negativamente sobre a aversão ao risco global e pressionar as moedas dos países emergentes, incluindo o Brasil.
Outros riscos imponderáveis estão relacionados aos próximos passos da guerra entre Rússia e Ucrânia, ou ainda uma maior animosidade entre China e EUA em torno das discussões relacionadas a ilha de Taiwan. Ainda que seja difícil de mensurar os desdobramentos diplomáticos dessas disputas, um aumento das tensões geopolíticas tem o potencial de alavancar a aversão ao risco e gerar turbulências no mercado financeiro, com direcionamento de capital para ativos mais seguros, como por exemplo o ouro.
De forma desagregada, um acirramento militar entre Rússia e Ucrânia pode trazer volatilidade às moedas dos países emergentes, mas o efeito sobre o câmbio poderia ser em duas direções diversas. Em um cenário mais construtivo, nossa taxa de câmbio pode ser beneficiada em um contexto de preços de commodities mais altos, favorecendo nossos termos de troca. Além disso, como estamos distantes geograficamente da área de conflito, podemos ser beneficiados por uma nova rotação das carteiras globais, que buscam rentabilidade sem perder de vista o quesito segurança. Por outro lado, um cenário de ampliação do rol das sanções econômicas sobre a Rússia tem o potencial de gerar danos ainda maiores à cadeia de suprimentos e um maior aperto das condições financeiras, que se traduziriam no aumento da aversão ao risco global, levando à maior depreciação da nossa moeda.
No caso particular de Taiwan, teríamos também o impacto sobre o mercado acionário ligado à tecnologia e um efeito importante sobre a cadeia global de suprimentos. Esse ambiente levaria a uma aceleração inflacionária, maior aperto monetário e menor crescimento econômico, gerando uma desvalorização dos ativos de risco, como a taxa de câmbio.
Em suma, o cenário de maior pessimismo do início do ano não se confirmou e houve uma melhora dos ativos de risco na primeira metade do ano. Fatores externos foram determinantes para justificar o movimento de valorização da nossa moeda em relação ao dólar, e fatores internos, ainda que não preponderantes, também tiveram sua parcela de contribuição (em especial por conta do avanço das pautas ligadas a reforma fiscal).
Olhando para frente, acredito que o câmbio deve mostrar um processo de desvalorização parcial, em linha com a desaceleração do PIB global e a manutenção do processo de aperto monetário nas principais economias avançadas. Ainda que a janela de oportunidade de curto prazo gere uma narrativa favorável para o país do ponto de vista político, ambiental e econômico, que poderiam repercutir na maior atração de investimentos estrangeiros, há riscos externos que estão fora do nosso controle e que de algum modo justificam uma visão de perda de força da nossa moeda ao longo dos próximos meses.
Nesse sentido, apesar de não descartar a possibilidade de novos movimentos positivos do câmbio no decorrer do segundo semestre, mantenho a projeção central de taxa de câmbio equivalente a R$ 4,90 no fim de 2023.
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