Especial: América Latina terá 2024 com foco em Argentina e Venezuela e incertezas na economia
Publicado por: Broadcast Notícias
7 minutos
Atualizado em
28/12/2023 às 15:09
Por Natália Coelho e Gabriel Bueno da Costa
São Paulo, 28/12/2023 - A América Latina deve ter um ano desafiador, com perspectiva de perda de fôlego econômico em vários países e esforço para não transformar o aperto monetário vigente em recessão.
Há expectativa por gradual normalização da política monetária, mas questões internas impedem cortes mais agressivos nos juros, como é o caso do Brasil. O ano de 2024 deve ter como um de seus principais focos a Argentina, agora sob comando de Javier Milei, que tenta conduzir um plano agressivo de ajuste num contexto de fraqueza econômica prolongada, pobreza em alta e inflação que supera com folga 100% ao ano.
- Veja também: Milei toma posse na Argentina, fala que ‘não há dinheiro’ e anuncia forte ajuste fiscal
A Venezuela será outro destaque, com expectativa por uma eleição e ameaças de Nicolás Maduro de anexar grande parte da vizinha Guiana, a região rica em petróleo de Essequibo. Haverá também eleição presidencial no México, enquanto a disputa pela Casa Branca nos Estados Unidos pode reverberar, com a presença de investimentos da China na região.
"Na América Latina como um todo, o crescimento vai desacelerar", afirma em entrevista ao Broadcast Alberto Ramos, diretor de Pesquisa Macroeconômica do Goldman Sachs para a região. Ele espera que a inflação também desacelere, o que abre espaço para relaxamento no aperto monetário por bancos centrais, "mas não necessariamente chegando ao juro neutro em 2024, o que pode ocorrer apenas em 2025".
Apesar de os cortes das taxas básicas terem começado em passos lentos em diversos países na América Latina, várias instituições preveem desaceleração econômica no próximo ano para a região, considerando que grande parte da flexibilização monetária ocorrerá ainda durante o ano que vem.
Nas estimativas do Fundo Monetário Internacional (FMI), o crescimento deve cair de 2,6%, previsto para 2023, para 1,9% no ano que vem. Já a Fitch destaca que as economias latino-americanas deverão convergir para um ritmo de crescimento fraco em 2024, apesar de ainda resilientes, ante um cenário externo desafiador.
Para o Wells Fargo, embora as economias latino-americanas tenham sido "resilientes" em 2023, a probabilidade de recessão permanece elevada em 2024.
"No entanto, nem toda a América Latina está à beira da recessão. O México é claramente uma exceção e, embora o crescimento deva abrandar à medida que a economia dos EUA desacelera, os impactos positivos do nearshoring, bem como a estabilidade política e do mercado financeiro local, deverão impedir a materialização da recessão".
Já o Citi menciona que o cenário para a América Latina no ano que vem deverá ser favorável, após um desempenho "notável" em 2023, descartando que as economias passarão por uma recessão em 2024 e indicando que a política não deverá indicar mudanças drásticas no rumo dos países.
Argentina
Ao olhar para a Argentina, Ramos espera um ajuste "extremamente difícil", por ocorrer em uma economia já muito debilitada. "O risco na execução do programa econômico é muito grande", considera. Ele vê como positivos os primeiros passos na tentativa de ajuste do quadro fiscal, mas adverte que "o caminho é extremamente doloroso".
O Brasil pode sentir algum impacto com o quadro argentino, mas Ramos acredita que ele será modesto, já que esse comércio já vinha contido, por questões como restrições cambiais no vizinho e o tamanho maior da economia brasileira. Ramos vê "riscos elevados" para o ajuste argentino, e lembra a "tradição muito combativa" da política local.
A inflação argentina registrou alta de 160,9% em outubro, na comparação anual. A perspectiva consensual dos analistas é que o quadro piore, antes de potencialmente melhorar. O ajuste agressivo nos gastos públicos conduzido pelo novo governo ocorre em um país com taxa de pobreza em 45%, e o fato de que Milei não tem maioria no Congresso impõe limites. Desde sua posse, o ultralibertário tem caminhado para a centro-direita.
Entre as medidas já anunciadas, o ministro da Economia, Luis Caputo, elevou a cotação oficial do câmbio, com o dólar a 800 pesos. Foram suspensas obras públicas não iniciadas, com a intenção do governo local de que a iniciativa privada conduza mais a economia, e subsídios serão extintos, com um reforço em alguns dos programas sociais.
O Fundo Monetário Internacional (FMI) viu com bons olhos os primeiros passos do novo governo, ao dizer que podem melhorar as contas públicas. Já a Oxford Economics alertou que suas medidas poderão ser prejudiciais para a popularidade do presidente, apesar de poder conseguir resgatar a confiança de investidores.
Analista da Empiricus Research, Matheus Spiess destaca que, na situação atual do país, qualquer presidente estaria exposto à falta de popularidade. Entretanto, pontua que o presidente vem adotado uma postura mais ortodoxa e menos radical do que a apresentada durante sua campanha e que o mercado gosta desse direcionamento.
"Mas para ter frutos de fato vai levar muito tempo, porque a destruição da economia argentina não vai ser fácil de reverter, se é que vai dar para solucionar", alerta.
Diretor da unidade de Política Pública, Risco e Estratégia da consultoria argentina Cefeidas, Martín Planes diz concordar sobre o quadro desafiador mo país, e prevê alta na inflação e na pobreza, mesmo que no médio prazo acredite em melhora.
"Haverá muita tensão entre a economia e a política", acredita. Por enquanto, o mercado parece mostrar paciência, avalia, e menciona projeções de alguns analistas e do próprio governo de que em 18 a 24 meses o pior da crise pode ter sido superado.
Para a região como um todo, Planes acredita em perspectiva um pouco melhor, com mais países com inflação sob controle, "salvo Argentina e Venezuela". O analista também acredita, no cenário geral, em maiores tensões dentro dos blocos regionais, entre eles o Mercosul, com a posição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva mais longe do consensual, após a posse de Milei.
Ele menciona que será preciso calcular também os efeitos do fenômeno El Niño sobre a região, que poderia beneficiar a economia em alguns países, como Argentina e Uruguai.
Eleições em 2024
O Citi destaca que 2024 será um ano eleitoral pesado para a região, com até seis disputas presidenciais e a possibilidade de pausa na onda de rejeição aos líderes que buscam reeleição, o que frearia mudanças na conjuntura política atual.
As eleições à presidência da Venezuela serão um dos destaques, principalmente considerando o acordo entre o atual líder, Nicolás Maduro, e os Estados Unidos por eleições livres, o que fez com que os EUA retirassem parte das sanções ao país latino-americano.
Entretanto, após o Supremo Tribunal da Venezuela suspender o resultado da primária eleitoral realizada pela oposição do governo, que escolheu a ex-deputada María Corina Machado para disputar a presidência em 2024, há dúvida sobre a viabilidade do acordo e sobre como serão de fato as eleições locais. Maduro e funcionários do regime alegaram fraude nas primárias, sem apresentar provas.
Na visão de Drausio Giacomelli, o movimento visto na América Latina tem sido de alternância de poder, de governos de esquerda para outros da direita e vice-versa. Entretanto, para o México, a previsão é que a próxima administração seja uma continuação das propostas do atual governo, de Andrés Manuel López Obrador, com a eleição da possível primeira presidente mulher do país, a ex-prefeita da Cidade do México, Claudia Sheinbaum.
Spiess avalia que o governo de López Obrador agradou ao mercado, com ortodoxia fiscal, mas não chegou a ser muito debatido para conseguir uma impressão mais firme. Entretanto, chama atenção que, mais do que isso, o país tem se destacado por nearshoring e friendshoring, estratégias de buscar cadeias de produção mais próximas e confiáveis, tornando valiosa a fronteira entre o México e os Estados Unidos.
"Os governos têm se alinhado a esse movimento, trazendo a indústria de volta da Ásia para algo mais próximo, por mais que seja mais custoso". "Os governos têm se alinhado a esse movimento, trazendo a indústria de volta da Ásia para algo mais próximo, por mais que seja mais custoso".
Sobre o Uruguai, Planes diz que no plano econômico deve haver pouca mudança, mas na política o ano eleitoral pode trazer "certa instabilidade".
Ele lembra que o governo de Luis Lacalle Pou se viu envolto nos últimos tempos em algumas acusações de corrupção, que não tocaram diretamente o presidente, mas envolveram nomes próximos a ele. Lacalle Pou não pode se reeleger, e Planes comenta que é preciso ver como essa disputa e o próximo líder podem influir nos rumos do Mercosul.
Já em relação ao Chile, Planes recorda turbulências recentes, desde a explosão social de 2019, mas não espera muitas mudanças agora, sobretudo na economia. Neste mês de dezembro, a população rejeitou pela segunda vez mudanças na Constituição, agora capitaneadas por uma Assembleia Constituinte mais à direita, o que foi visto como uma vitória do presidente Gabriel Boric. Antes, Boric havia visto o texto mais progressista e endossado por ele ser também rechaçado, o que desgastou sua administração.
Disputa de Guiana e Venezuela por Essequibo
Outra pauta que poderá seguir como foco na economia da América Latina, a disputa entre Venezuela e Guiana pelo Essequibo chama atenção do mercado doméstico pela importância geográfica da fronteira com o Brasil.
Entretanto, a Capital Economics destaca que a retórica de Maduro parece ter como objetivo desviar a atenção da situação econômica do país. Mesmo assim, a consultoria britânica vê o risco de algum tipo de erro que conduza ao aumento das tensões políticas ou até militares como elevado, com potenciais implicações para o mercado petrolífero global.
"Por um lado, colocaria em risco o acordo muito frágil da Venezuela com os EUA, que inclui o alívio das sanções ao setor petrolífero do país. Além disso, quaisquer conflitos entre os dois países poderão levar a perturbações no setor petrolífero emergente da Guiana ou atrasar os aumentos planejados da produção".
-Entenda a crise entre Venezuela e Guiana, disputa territorial que tem o petróleo como pano de fundo
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