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Economia

Entrevista/BC/Otávio Damaso: prioridade do BC no Open Finance é atacar portabilidade de crédito

Publicado por: Broadcast Notícias

conteúdo de tipo Leitura4 minutos

Atualizado em

21/08/2024 às 13:56

Por Cícero Cotrim

O Banco Central deseja avançar na agenda de portabilidade do crédito por meio do Open Finance, e os primeiros resultados dessa agenda devem começar a aparecer na segunda metade do ano que vem, afirma o diretor de Regulação da autoridade monetária, Otávio Damaso, em entrevista exclusiva ao Broadcast .

"Ao longo de 2025 nós devemos avançar, e elas [as soluções de portabilidade] vão começar de forma gradual, por produto. O primeiro que vamos atacar é a operação de crédito sem consignação. Depois, vamos avançar no crédito com consignação. Por último, vamos avançar no que é a principal operação, o imobiliário", diz Damaso.

Segundo o diretor, um grupo de trabalho com representantes da estrutura de governança do Open Finance criará uma proposta para a portabilidade do crédito, mas a palavra final caberá ao regulador. Damaso detalhou, ainda, os planos do BC para a portabilidade de salários no Open Finance.

Leia abaixo os principais trechos da entrevista.

  • Broadcast: Qual balanço o sr. faz sobre o Open Finance até agora?

Otávio Damaso: No ano passado, decidimos que em 2024 iríamos focar na finalização e na performance do Open Finance. E fizemos um movimento de avaliar todos os processos, todos os mecanismos de troca de informações no âmbito das APIs, e também concluir um conjunto de regulações, com ajustes pontuais que foram feitos no final de junho - inclusive a governança definitiva, muito esperado pelo mercado, que acho que atendeu a um equilíbrio pró-inovação e pró-fortalecimento do Open Finance. E fizemos uma infraestrutura na qual os bancos, as instituições financeiras, podem desenvolver produtos. Tem banco fazendo em torno de 65 projetos com base no Open Finance, e há vários resultados concretos disso para o cidadão. Essa infraestrutura, por si só, vai revolucionar a forma de interagir com o sistema financeiro nos próximos anos.

  • Broadcast: Quais são as medidas pensadas pelo Banco Central para avançar na portabilidade de crédito via Open Finance?

Damaso: Ela não é uma questão nova no sistema financeiro, mas, no mundo analógico, dadas as fricções que existiam no mercado, muito dessa portabilidade não funcionava a contento. A primeira questão que estamos atacando é a do crédito. E quais são os problemas, hoje, da portabilidade? É sair do seu banco, ir para outro banco, entregar proposta, a proposta ser aceita, aí vem uma informação, mas ela não está atualizada, não está correta. E, nesse momento, a portabilidade não é executada. Com o Open Finance, tudo vai ser digital. A partir do momento que estou no banco que me oferece melhor condição, eu dou o comando e ele já vai no outro banco, pega todas as informações necessárias e, dois ou três dias depois, essa operação está fechada. Você está eliminando uma fricção enorme. Mais para a frente, vamos atacar também a portabilidade de salário. Hoje, há dados que mostram que 50% dela não é efetivada porque o CNPJ da empresa pagadora não bate. Aí, cria-se essa fricção, só que isso está no banco de dados do banco. Com essa informação, a coisa se conecta e você traz isso mais facilmente. Vamos trabalhar para isso ficar cada vez mais fluido, fazendo portabilidade com o Open Finance.

  • Broadcast: A expectativa, então, é que o Open Finance diminua problemas de negativas com base em erros cadastrais e divergência em dados de nome, CNPJ, etc.?

Damaso: Isso. E, às vezes, até o tempo entre você pegar uma informação da instituição A para a instituição B acaba fazendo com que aquele crédito tenha mudado de valor, então você já cria uma outra fricção. Com o Open Finance, essa fricção termina, fica tudo em tempo real.

  • Broadcast: Existe um cronograma para implementar essas soluções?

Damaso: Ao longo de 2025 nós devemos avançar, e elas vão começar de forma gradual, por produto. O primeiro que vamos atacar é a operação de crédito sem consignação. Depois, vamos avançar no crédito com consignação. Por último, vamos avançar no que é a principal operação, o imobiliário. A portabilidade de crédito imobiliário já existe, mas é um volume pequeno. E essa é a modalidade que traz mais benefícios para o cliente, porque qualquer diferença de 0,5 ponto porcentual na taxa de juros, se você pensar em um financiamento de 10 a 15 anos, representa um mundaréu de recursos.

  • Broadcast: Um grupo de trabalho deve ser formado este ano para debater o funcionamento da portabilidade de crédito. O sr. pode detalhar o funcionamento?

Damaso: Esse trabalho vai ser conduzido em conjunto com a governança do Open Finance, onde há representantes de todas as dimensões do sistema financeiro que estão participando do ecossistema. E, lá, você vai identificar quais são os problemas que existem hoje, e como buscar soluções. Naturalmente, o BC sempre estará escutando os players externos, todo mundo que queira contribuir. Mas a discussão e a implementação vão ser feitas via a governança do Open Finance, porque as APIs, todos os mecanismos de adequação desse canal, vão ser tratados lá dentro.

  • Broadcast: O desenho que for proposto por esse grupo de trabalho será votado pelo órgão superior de deliberação da estrutura de governança do Open Finance?

Damaso: É importante ficar claro que a palavra final sempre é do regulador. O regulador criou esse modelo de governança privada, mas a palavra final - seja 'estou de acordo' ou 'precisa mudar' - sempre é do regulador, que tem os objetivos que quer, em prol da sociedade, no Open Finance. Ele sempre está olhando a questão da eficiência, a questão do custo, a questão da eliminação das fricções. Sempre participamos da reunião da governança e eles têm um papel enorme de debater, discutir, e 99,9% das decisões deles são aceitas pelo BC. Mas o BC sempre tem um papel de supervisão desse processo.

  • Broadcast: Existe uma previsão de quando o GT finalizará a discussão?

Damaso: Não tenho essa data, mas posso sinalizar que, no segundo semestre do ano que vem, já vamos começar a ver os resultados. A ideia é começar com o crédito sem garantia, avançar para o consignado, alguma outra linha. E o último tipo de operação vai ser do financiamento imobiliário. Ele é mais complexo, envolve a garantia, e a garantia tem a questão do registro de imóvel. Então, temos players externos, infraestruturas não reguladas, como o próprio cartório de registro de imóveis. Tudo que está dentro do sistema financeiro vai ser resolvido no Open Finance, e aí precisamos agregar esses pontos adicionais que estão fora do ecossistema.

  • Broadcast: O Ressarcimento de Custos de Operação (RCO) é um ponto de fricção na portabilidade do crédito entre fintechs e bancos digitais, que defendem o seu fim, e os bancos tradicionais, que são contra. O BC tem uma posição sobre o tema?

Damaso: Essa discussão sobre RCO vai caber ao Banco Central, e não à infraestrutura. Estaremos abertos a receber todo o subsídio da indústria, de todos os participantes, como sempre fizemos. Mas esse é um papel de regulação, especificamente.

  • Broadcast: Fintechs veem o Open Finance como alternativa para destravar a portabilidade de salários, por meio das transferências inteligentes do Pix. Mas isso exigiria algumas mudanças regulatórias. Elas estão na pauta do BC?

Damaso: Temos de priorizar algumas coisas e estamos priorizando a portabilidade do crédito, mas, sem dúvida nenhuma, dentro da agenda evolutiva do Open Finance, a portabilidade de salários vai entrar também. É uma agenda importante. Muitas vezes você tem uma empresa que escolhe uma instituição financeira para prover seus pagamentos, mas não necessariamente é a instituição financeira que o funcionário daquela empresa quer usar. Tornar isso mais fluido, mais rápido, mais automático para o cidadão é um objetivo do BC. No passado, já fizemos vários movimentos nessa linha, inclusive com a criação da conta-salário. Agora, vamos avançar para tornar esse processo mais rápido.

  • Broadcast: Algumas fintechs defendem que a resolução 5.058 do Conselho Monetário Nacional (CMN) seja alterada para permitir que a conta-salário seja movimentada via Pix, o que, no entendimento deles, criaria na prática uma portabilidade de salário. Isso está na agenda?

Damaso: Tem estudos. Nem sim, nem não: tem estudos. O que é importante ficar claro é que todo o mecanismo da conta-salário foi feito para criar essa ponte para o cliente escolher a instituição. É uma conta que dá alguns tipos de franquia, mas muito limitadas, porque é uma conta sem custo; ela foi concebida para ser uma 'conta-passagem', e em várias instituições financeiras o salário primeiro cai na conta-salário e, depois, é transferido para a conta de depósito. Você não vê isso. Precisamos pensar em como instituir esse mecanismo, porque tem a questão da chave Pix, são contas diferentes. Estamos estudando.

  • Broadcast: Os grandes bancos têm uma reclamação antiga sobre a forma de financiamento do Open Finance e defendem que os pagamentos do sistema ocorram por consulta, e não pelo tamanho de cada instituição, como é hoje. Qual é a posição do BC?

Damaso: Nas resoluções que foram publicadas agora, em junho, nós já fizemos algumas adequações. A regra básica é que você tem uma franquia e, a partir dessa franquia, começa a pagar por consulta - o problema é o tamanho da franquia. Acabamos de fazer uma adequação para equilibrar melhor quanto cada player estava pagando. Algumas instituições viram seu pagamento crescer, outras ficaram iguais e outras caíram.

  • Broadcast: O mandato do sr. termina em 31 de dezembro, e o diretor de Regulação historicamente é um servidor de carreira do BC. Esse é um perfil que o sr. considera adequado para o seu sucessor?

Damaso: Eu vou esquivar de comentar. Compete ao presidente da República fazer essa indicação.

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