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Tecnologia

Entrevista/Robert C. Merton: estou empolgado, mas também preocupado com a IA

Publicado por: Broadcast Notícias

conteúdo de tipo Leitura4 minutos

Atualizado em

21/06/2024 às 16:57

Por Eduardo Laguna

São Paulo, 14/06/2024 - Laureado com o prêmio Nobel de Economia em 1997, após desenvolver um novo método para determinar o valor de derivativos, Robert C. Merton é uma autoridade em inovações financeiras que acompanha com preocupação a evolução rápida da inteligência artificial no campo das finanças. "Estou muito empolgado com o potencial da inteligência artificial, mas também preocupado."

Segundo Merton, professor emérito da Universidade Harvard e também professor distinto de Finanças na Sloan, escola de administração do MIT, a inovação avança hoje em direção à customização dos produtos financeiros. Isto é, produtos feitos sob medida para atender as demandas de cada cliente, o que o economista chama de 'finanças de precisão'.

Ao Broadcast, Merton fala ainda sobre o futuro do dinheiro, explica por que criptomoedas como o bitcoin não vão substituir as moedas emitidas por governos e elogia a agenda de inovação do Banco Central. "Se formos mesmo para uma moeda digital, acho que será aqui no Brasil." O professor conversou com o Broadcast durante a passagem pelo País na semana passada, quando proferiu, na terça-feira, uma palestra sobre a evolução da inovação em ciências financeiras no Insper. Leia abaixo os principais trechos da entrevista.

  • Broadcast: Quais são as maiores inovações financeiras em curso no mundo? Como elas estão mudando o sistema financeiro?

  • Robert C. Merton: Em vez de criar um produto financeiro único para todos, estamos nos movendo em direção à customização, das soluções sob medida a indivíduos ou empresas. Isso é possível por diversas razões, inclusive pelas tecnologias desenvolvidas nas fintechs. Se preferir uma definição em poucas palavras, chamo isso de "finanças de precisão". É como na medicina de precisão, onde os medicamentos são adaptados às necessidades específicas de cada pessoa, ao invés de um remédio que serve a todos, mas que tem efeitos colaterais porque as pessoas são diferentes. Essa é a direção para onde a grande inovação está caminhando.

  • Broadcast: As inovações causam preocupação no senhor em relação à estabilidade do sistema financeiro?

  • C. Merton: Tudo que é novo tem um risco. Pode não ser um grande risco, mas ele está lá. Como esses riscos evoluem depende muito de como lidamos com eles. Historicamente, os benefícios das boas inovações são muito altos. Existem riscos, mas que podem ser gerenciados e controlados. Devemos estar conscientes dos riscos, mas não temerosos. Se muitas inovações forem mal feitas e causarem desequilíbrios, é preciso fazer algo a respeito. Esse é o papel dos reguladores e das empresas envolvidas. Não podemos simplesmente abrir mão da inovação. Perderíamos demais. Não podemos generalizar e dizer que toda inovação é ruim e um grande risco.

  • Broadcast: Como o sr. vê o futuro do dinheiro diante de novos sistemas eletrônicos de pagamento e das moedas virtuais? O papel-moeda está com os dias contados?

  • C. Merton: Já estamos, apenas em razão dos cartões de pagamento, reduzindo a quantidade de dinheiro em papel que usamos. Mas é possível imaginar situações em que, quando nada funcionar e seu telefone não fizer nada, você vai querer muito ter dinheiro para comprar alguma coisa. Então, não posso dizer que vai desaparecer completamente, mas acho que é razoável apostar que o dinheiro em papel vai ser menos e menos importante, exceto em casos muito especiais.

  • Broadcast: As moedas virtuais vão substituir as moedas tradicionais?

  • C. Merton : Uma moeda que não foi emitida por um governo não pode ser uma moeda. Não acho que o bitcoin possa ser uma moeda. E quando falo 'bitcoin', é de forma genérica para me referir a criptomoedas, apenas para as pessoas entenderem. As moedas têm que ter as seguintes características: ser uma unidade de conta; ser um meio de troca; ser uma reserva de valor. Mas o mais importante, as moedas são o que temos para comprar coisas agora e no futuro. Quando falamos sobre reserva de valor, falamos de algo que, ao longo do tempo, mantém o valor próximo em relação aos produtos e serviços importantes para nós. Se tenho moeda na carteira, quero ter a certeza de que, quando for comprar alimentos, terei a quantidade de moeda necessária para comprar alimentos. Só que o Bitcoin não faz nada para estabilizar o preço do bitcoin em relação às coisas que podemos comprar. Bitcoin é apenas bitcoin.

  • Broadcast: Isso pode mudar no futuro?

  • C. Merton: Mudar como? O bitcoin não tem fundamento, não tem base. Apenas imagine, se você assinar um contrato de trabalho em que o pagamento será feito em bitcoin, isso não vai funcionar muito bem. Meses depois, poderá valer o dobro ou não ser suficiente para comprar comida. Mas acho que uma criptomoeda emitida por um banco central poderia funcionar muito bem, ser muito eficiente, porque os bancos centrais têm como missão número um a estabilidade de preço. Eles se preocupam com os preços. Querem manter o mais estável possível o valor da moeda em relação aos produtos. O bitcoin não faz isso, não tenta fazer.

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  • Broadcast: Como o sr. está acompanhando a aplicação da inteligência artificial nas operações financeiras?

  • C. Merton: Em vez de inteligência artificial, acho que um termo mais descritivo seria inteligência assistida. Ou seja, ela nos ajuda a tomar boas decisões, ao invés de tomá-las por nós. As máquinas podem fazer coisas inteligentes, mas também há algumas tarefas em que são muito burras e que são difícil de aprender. Se você tem algo poderoso como a inteligência artificial, use-o corretamente. Se usar da maneira errada, ela pode causar muitos danos.

  • Broadcast: É o caso dos algotradings, ou seja a automatização das operações de ativos financeiros com base em algoritimos?

  • C. Merton: Não acho que seja preciso muita imaginação para ver que isso pode sair do controle e ser bastante emocionante. Acho que a inteligência artificial será uma ferramenta muito poderosa se usada corretamente na implementação de toda a inovação que estamos falando, para nos ajudar a fazer melhor, reduzir custos, e todas essas coisas. Mas há um grande "se". Há uma tendência de a inovação evoluir cada vez mais rápido, também por causa da competição. Então, você está fazendo muitas coisas quando, na verdade, não trabalhou em tudo que é necessário para acompanhar essa evolução. É aí que encontramos dificuldades. Estou muito empolgado com o potencial da inteligência artificial, mas também preocupado.

  • Broadcast: Qual avaliação o senhor faz das contribuições do Banco Central do Brasil à inovação financeira?

  • C. Merton: Vocês têm um sandbox regulatório [ambiente de testes de inovações financeiras], que é um lugar seguro para explorar ideias inovadoras sem colocá-las no sistema, evitando que elas tenham grandes repercussões. Há também o open banking [chamado de open finance, que permitirá a movimentação de contas bancárias em diferentes plataformas, e não apenas no aplicativo do banco] e outros tipos de inovações para serem testados. Tem também os pagamentos instantâneos [Pix]. Isso é maravilhoso. O Banco Central também está trabalhando em pesquisas em moeda digital [Drex]. O fato de o Banco Central estar envolvido nisso é importante, traz confiança. Se formos mesmo para uma moeda digital, acho que será aqui no Brasil, será o seu banco central.

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