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Liquidação de Treasuries no contexto de guerra comercial acende sinal de alerta para mercados globais

Movimento de venda de títulos do Tesouro americano tem preocupado analistas em meio a vaivém de medidas tarifárias nos EUA

Publicado por: Broadcast Exclusivo

conteúdo de tipo Leitura6 minutos

Atualizado em

16/04/2025 às 10:38

Por Gustavo Boldrini, do Broadcast

São Paulo, 16/04/2025 - A escalada na guerra comercial promovida pelo governo dos Estados Unidos desde o tarifaço anunciado em 2 de abril tem impactado fortemente os ativos de risco como ações e commodities, mas não para por aí. Nem mesmo os Treasuries, títulos de dívida do Tesouro americano que são considerados os mais seguros do mundo, estão isentos desse ambiente de incertezas.

O mercado americano tem observado um movimento forte de liquidação de Treasuries ao longo do mês, o que tem alarmado alguns analistas mais do que as quedas dos índices das bolsas. A Fixed Income Clearing Corporation (FICC), câmara de compensação para negociações no mercado desses papéis, informou que somente na semana passada processou mais de US$ 1 trilhão em transações com títulos do Tesouro - um recorde.

O juro oferecido aos investidores na T-Note com vencimento em dez anos, principal título de dívida dos EUA, passou de 4,1560% em 1º de abril para 4,3230% no fechamento do pregão de terça-feira (15). Já o rendimento da T-Note de 30 anos saiu de 4,5150% antes do tarifaço para 4,7760% no mesmo período.

E aqui entra uma questão importante: quando há essa pressão de vendas, os preços dos títulos caem no mercado secundário e seu rendimento aumenta. Como assim?

Por que os rendimentos sobem quando os preços caem?

Os Treasuries são títulos prefixados de renda fixa, ou seja, oferecem um rendimento específico no momento em que o investidor realiza a compra. Esse rendimento será pago caso se mantenha o título até a data de vencimento.

Quando muitos investidores decidem vender seus papéis, há uma oferta maior e o preço para comprar uma T-note diminui. Quem comprar esse título com preço menor terá um aumento no rendimento, já que o retorno (rentabilidade dividida pelo preço) será maior. Isso explica porque, ao olhar o comportamento dos Treasuries numa plataforma de negociações, o investidor vai se deparar com altas nas taxas dos títulos.

E também há outra explicação mais prática. O tarifaço e a guerra comercial tendem a elevar a inflação dos EUA. Isso futuramente pode se traduzir em taxas de juros mais altas no país. Muitos investidores, portanto, podem estar se antecipando a esse cenário.

"Com essas novas pressões inflacionárias, quem tem título prefixado nas taxas atuais observa que a guerra tarifária vai pressionar a inflação e elevar os juros. E aí o título que eu tenho hoje vai ficar barato. Então, eu vendo ele agora para comprar com uma taxa mais atrativa no futuro", explica Acilio Marinello, sócio-fundador da Essentia Consulting e professor da ADEN Business School.

O que está acontecendo com os Treasuries?

O anúncio do tarifaço em 2 de abril ampliou as incertezas sobre a nova configuração do comércio global, mas o que realmente tem impulsionado o caos dos mercados é o vaivém de decisões e a falta de certeza sobre como ficarão as coisas daqui para a frente.

"O mercado consegue precificar o risco, mas a incerteza não. E o momento é de muita incerteza, de alta volatilidade provocada pelas ações do governo americano. Toda hora as coisas mudam", comenta Marinello.

Ele cita como exemplo dessa inconstância a pausa por 90 dias nas tarifas anunciada por Trump no último dia 9, que manteve taxações de 10% sobre todos os países que não retaliaram os EUA. O governo americano, porém, manteve as tarifas sobre a China, gerando retaliações de Pequim e uma escalada nas taxações entre as maiores economias do mundo.

"Uma possível negociação dos EUA com a China vai ser fundamental para o futuro da economia global e os investidores querem saber como o mercado de Treasuries vai precificar isso", avalia Thomas Monteiro, analista-chefe do Investing.com.

Segundo ele, alguns investidores conhecidos como "bond vigilantes" podem exercer pressão sobre o governo americano para mudar suas políticas por meio das taxas dos Treasuries. "No momento esses investidores estão 'descansando', mas talvez essa seja a hora que eles acordem de novo para dar essa mensagem de que não vão aceitar isso [políticas tarifárias]".

Para onde está indo a liquidez dos mercados?

Os Treasuries são considerados investimentos extremamente seguros porque o risco de o governo dos EUA não cumprir com suas obrigações de pagamento é muito pequeno. Afinal, o país é responsável por emitir dólar, a moeda que é base do comércio global. Mas para onde, afinal, está indo a liquidez dos mercados?

"Muitos investidores estão indo buscar proteção em ativos sem tanta liquidez mas com mais resiliência, como o ouro e duas moedas que têm muito lastro em reservas: franco suíço e iene japonês", destaca Marinello, da Essentia Consulting.

O futuro do ouro negociado na Commodity Exchange (Comex), em Nova York, sobe mais de 20% no ano até aqui. Entre as moedas mais seguras citadas pelo analista, tanto o franco suíço quanto o iene japonês sobem cerca de 9% sobre o dólar americano em 2025.

O risco China

E aqui entramos em outro fator crucial: o risco China. Principal alvo do governo Trump em suas políticas tarifárias, curiosamente o país asiático é o segundo maior detentor de títulos de dívida do governo americano, atrás apenas do Japão.

Isso pode representar uma espécie de "bomba nuclear" para a economia americana: afinal, o que aconteceria se os chineses decidissem realizar grandes blocos de vendas de Treasuries?

"A China, se abrir mão desses títulos de maneira massiva, pode causar um tumulto no mercado, dificultando a expectativa de queda de juros nos EUA", avalia Thomas Monteiro, do Investing.com.

Já há alguns analistas que especulam que tanto os japoneses quanto os chineses estão por trás de parte desse movimento atual de liquidação de Treasuries. Mas, apesar de existir o risco de uma venda mais massiva, dificilmente a China abrirá mão de grandes quantias de seus Treasuries. Afinal, eles servem como uma ferramenta de controle da cotação do yuan. Essas reservas em dólar possibilitam que o governo chinês evite grandes valorizações da sua moeda, a fim de manter suas exportações atrativas, como explica Acílio Marinello, da Essentia Consulting.

"Não imagino que a China usará essas reservas como estratégia de retaliação. Mas é verdade que elas podem ser vistas como uma espécie de proteção, uma ferramenta para fazer negociações geopolíticas com os EUA", aponta.

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