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Economia

Palavra do Economista | Um global supreendentemente mais volátil

Publicado por: Análise BB

conteúdo de tipo Leitura4 minutos

Atualizado em

07/05/2024 às 12:47


Ao longo de minha carreira como economista, me acostumei a retratar o cenário econômico internacional como um ambiente bem mais estável se comparado ao contexto doméstico. Contudo, os últimos meses parecem ter invertido um pouco dessa lógica, sobretudo quando se percebe que, de forma até surpreendente, o maior foco de volatilidade nos mercados financeiros tem sido o comportamento do Federal Reserve (o Banco Central dos Estados Unidos) e as mudanças frequentes de discursos de seus principais dirigentes. Com efeito, caso me contassem de antemão que o presidente do FED sinalizaria mudanças de trajetórias na condução da política monetária americana quase que a cada dois meses, eu ficaria bastante cético em relação a isso. Bom, pelo menos até a primeira metade de 2023.

A volatilidade do FED

O primeiro ponto de virada deste enredo, em minha opinião, ocorreu em setembro do ano passado, quando na reunião do Comitê de Política Monetária do FED (Fomc) foi divulgado que os próprios membros votantes do Comitê acreditavam em apenas uma queda de juros nos EUA ao longo de 2024 (taxa terminal na faixa entre 5,00-5,25%). Cabe destacar que, nos Estados Unidos, diferentemente do Brasil, os membros do Fomc divulgam trimestralmente um documento em que mostram as suas próprias projeções para as principais variáveis da economia, inclusive para a taxa de juros. Esse conjunto de projeções é popularmente chamado de dot plot e, em setembro de 2023, contrastava de maneira importante das projeções divulgadas três meses antes, em junho, quando os membros viam três quedas (taxa terminal na faixa entre 4,50-4,75%).

Outro ponto que deve ser mencionado é que, apesar dos 4,75% imaginados pelo FED à época, o mercado apostava em uma queda muito mais agressiva, até abaixo de 4,00%, com cortes de juros iniciando em março de 2024. Ou seja, um cenário ainda relativamente alto de juros nos Estados Unidos, mas em um processo de corte consistente. Naquele momento, minhas projeções para a taxa básica de juros no Brasil indicavam que a Selic encerraria 2024 em 8,50%.

Com o dot plot de setembro e uma mensagem que os juros americanos iriam ficar mais altos por mais tempo (higher for longer), os mercados financeiros pelo mundo entraram em profundo estresse, com o preço dos nossos ativos sofrendo uma significativa deterioração. Nessa época, nossa equipe divulgou um estudo para mercado em que argumentava que, caso o cenário do FED realmente se concretizasse, ou seja, taxa de juros nos EUA acima de 5,00%, o Copom poderia enfrentar dificuldades em reduzir a taxa Selic para níveis muito abaixo de 10,0%.

Por entender este contexto global mais adverso, o time de economistas do BB optou por alterar as projeções de juros internacionais (Fed Funds) e também domésticos (Selic), que passaram a incorporar níveis de 4,75% e 9,25% ao fim de 2024, respectivamente. Cabe destacar que a diferenciação do cenário em relação ao estudo publicado ocorreu em virtude do entendimento de que, naquele momento, projetar apenas um corte para os EUA em 2024 parecia excessivamente conservador. No entanto, essa visão mais cautelosa de cenário foi um importante direcionador para conversas internas e orientações a clientes.

Mas, de maneira surpreendente, outro “cavalo de pau” na comunicação do Federal Reserve veio a ocorrer em dezembro de 2023. Após uma sequência de dados de inflação bastante benignos, o Fomc mudou radicalmente o seu discurso e seu dot plot, afirmando que, a partir de então, o Comitê já estava discutindo quando os juros poderiam começar a cair na economia norte-americana.

Essa mudança significativa de postura ficou conhecida como “pivotada”, com o mercado nos EUA voltando a precificar quedas de juros no primeiro trimestre de 2024 e os ativos pelo mundo mostrando significativa apreciação, entre eles a nossa taxa de câmbio.

Mas, como eu afirmei no início desta Carta, a volatilidade parece ter imperado nos últimos meses quando o assunto é FED. Após um conjunto de dados inflacionários que surpreenderam, e muito, de forma altista no início de 2024, aquele ambiente em que juros poderiam cair no primeiro trimestre foi se esvaziando e as apostas começaram a ser novamente adiadas.

O resultado desse terceiro movimento foi o retorno de um ambiente adverso e o consenso de que a queda nos juros por lá teria que ser marginal. Por consequência, nosso câmbio voltou a se depreciar e atingiu valores próximos a R$/US$ 5,30. Devo destacar aqui que esse movimento do Real ocorreu em meio a uma tempestade perfeita, onde o fator juros nos EUA se somou a uma piora no ambiente geopolítico, com o temor de uma escalada no conflito no Oriente Médio, além do aumento da incerteza interna por conta de revisões das metas de superavit primário a partir de 2025. Apesar de julgar que a piora do aspecto geopolítico e fiscal eram momentâneas e que poderiam se dissipar em um curto espaço de tempo, entendi que o ambiente inflacionário mais desafiador nos EUA era mais persistente, o que me levou a revisar o cenário de juros para EUA para níveis de 5,00% ao final de 2024. E o risco dos juros nem mesmo cair por lá este ano, ainda que não preponderantes para mim, são consideráveis.

Projeções

Por conta desse novo capítulo no aspecto global, optei por alterar a projeção de câmbio de R$/US$ 4,80 para R$/US$ 5,00 e taxa Selic de 9,25% para 9,75% ao final de 2024.

De certa forma, o cenário de boa parte do mercado passou a contemplar aqueles argumentos que nossa equipe alertava entre setembro e outubro do ano passado, em torno dos quais, na ocasião, não havia consenso entre economistas: caso as Fed Funds ficassem acima de 5,00% este ano, o Copom teria dificuldades de levar a Selic para um patamar muito abaixo de 10,00%.

Mas, como eu disse, a volatilidade na percepção para juros nos EUA está elevada, tanto que na semana do dia 1 de Maio o câmbio brasileiro voltou a se apreciar de maneira expressiva após uma reunião do Fomc em que o tom usado pelos dirigentes foi um pouco mais ameno (dovish) do que o esperado. Além disso, dados de mercado de trabalho, um dos principais vetores para a persistência inflacionária, pode estar sinalizando uma fraqueza um pouco maior para a economia americana a partir do segundo trimestre. Esses fatores fizeram com que o real voltasse a vigorar próximo ao nível de R$/US$ 5,00.

Em suma, o que temos visto nos últimos meses são ativos brasileiros sofrendo variações significativas por conta das oscilações do ambiente global – mais especificamente, da política monetária nos EUA. Adicionalmente, apesar de o Copom argumentar que não existe uma relação mecânica entre política monetária nos EUA e no Brasil, o BC brasileiro não pode ignorar os impactos de juros mais altos lá fora. Por conta disso, meu cenário é que ele reagirá e terá que diminuir o ritmo das quedas da Selic nas próximas reuniões. Para o leitor, essa volatilidade nas projeções para os EUA gera desconfiança, afinal estimativas para a economia americana são tradicionalmente mais estáveis. De fato, estamos mais acostumados ao doméstico ser a fonte de incertezas, e não o global.

Parece que, temporariamente, o jogo virou.

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